Explosão em Beirute – Acidente?
Importância da Engenharia e Manutenção Preventiva
A explosão relacionada com armazenamento de Nitrato de Amônia, ocorrido em Beirute, capital do Líbano, chocou o mundo e recebeu enorme atenção dos diferentes tipos de mídia, sobressaindo notícias diárias do COVID-19. Fato, no mínimo interessante, foi notar que grande parte dos meios de comunicação, categorizaram o fato ocorrido como um acidente. Será mesmo um acidente?
Primeiramente, o ocorrido não foi um fato isolado. Diversas explosões envolvendo Nitrato de Amônia foram registradas ao longo da história, com milhares de mortos e acidentados. Alguns destaques:
Oppau, Alemanha: Um dos primeiros desastres. Explosão em armazém da BASF com mais de 500 mortos;
Texas, EUA: Acidente industrial mais grave da história dos EUA com mais 500 mortos. Onda de choque foi tão intensa que 2 pequenos aviões foram atingidos;
Tianjin, China: Explosão em armazém com quase 200 mortos, incluindo dezenas de Bombeiros que combatiam os incêndios.
Podemos ainda citar situações ocorridas no Brasil, felizmente, em menores proporções:
2013, depósito de fertilizantes em Santa Catarina: gigante nuvem de fumaça toxica que percorreu diversas cidades. O laudo, finalizado em 2014, apontou irregularidades no armazenamento, incluindo a falta de um projeto preventivo contra incêndio;
2017, Cubatão: incêndio em galpão de nitrato de amônia que teria sido causado por incêndio em correia transportadora.
Estas e demais ocorrências históricas foram muitas vezes tratadas como acidentes. Vamos analisar mais profundamente o tema. De acordo com o dicionário, como definição de acidente, temos:
Acidente
“… acontecimento casual, fortuito, inesperado; ocorrência.”
Do ponto de vista técnico, poderíamos classificar este evento no Líbano como inesperado ou casual? Não podemos. Este evento, certamente poderia ter sido evitado ou, ao menos, amenizado com a ajuda da engenharia e manutenção preventiva.
Diversos são os métodos preventivos que poderiam ser usados para detecção de incêndios, porém antes de citá-los cabe compreender as fases mais comuns de um incêndio:
Aquecimento: o que ocorre logo antes de um incêndio começar? Ao contrário do que muitos pensam, nesta primeira fase, não necessariamente há fogo, porém há um aquecimento gradual e anormal que poderá levar certo material entrar em combustão.
Geração de Fumaça: a segunda fase de um incêndio é a fumaça e quando ocorre em grandes proporções, aumenta drasticamente o risco de combustão rápida.
Fogo: nesta fase final, fogo e fumaça são claramente evidentes.
Há diversos métodos de prevenção de incêndios que poderiam ser empregados em galpões de armazenamento de Nitrato de Amônia ou qualquer outro tipo de material inflamável:
Detectores de chama: Há modelos que usam infravermelho, UV ou combinação de ambos com o intuito de detectar chama. As sensibilidades dos equipamentos variam de acordo com a tecnologia, mas em todos os casos, o fogo precisa estar presente.
Detectores de fumaça: Há 2 tipos de detectores, sendo um independente e outro que depende de um segundo componente, emissor de fonte de energia. Em ambos os casos, há a necessidade de certa quantidade de fumaça presente no ambiente ou fisicamente no sensor.
Câmeras Infravermelhas: As câmeras infravermelhas, também conhecidas como termovisores ou câmeras térmicas, são medidores de temperatura sem contato com capacidade de cobertura de uma vasta área com um único sensor.
Em qual fase seria mais interessante a detecção antecipada do incêndio?
Sem dúvidas que quanto mais antecipada a detecção, melhor e, portanto, a fase de aquecimento deve ser o alvo principal alvo de uma engenharia inteligente e eficiente.
Os alarmes gerados pelos detectores de chama atuam apenas na terceira fase do incêndio, podendo ser tarde demais para evitar perdas de vidas e propriedades, principalmente no caso de armazenamento ou fabricação de materiais extremamente inflamáveis ou explosivos, como o caso do Nitrato de Amônia.
O mesmo pode ocorrer com os detectores de fumaça que podem também atuar de maneira tardia na detecção do incêndio e que possuem limitações quando da cobertura de grandes áreas, como galpões de armazenamento.
As câmeras infravermelhas conseguem detectar de maneira imediata, anomalias na temperatura de materiais armazenados. Os alarmes indicam o problema, mesmo que ainda invisíveis à olho nu e ainda que não haja fumaça ou mesmo fogo.
Cabe ainda reforçar que as câmeras infravermelhas podem apresentar uma imagem térmica da área de cobertura, tornando ainda mais fácil o monitoramento e identificação do exato local da fonte de calor, acelerando o combate e sua efetividade.
Quanto custa implementar um sistema de detecção de incêndio com câmeras infravermelhas?
Nas últimas décadas, as câmeras infravermelhas vêm atingindo mais e mais aplicações por conta do avanço da tecnologia, volume de fabricação dos sensores e consequentemente, redução de custos.
Há ainda quem pense que estes equipamentos possuem valor elevado. Além de sua eficiência e aplicação na fase 1 do incêndio, muitas vezes uma única câmera térmica substitui diversos sensores de outras tecnologias, facilitando assim, instalação, manutenção e operação do sistema.
Há algum tipo de regulamentação no Brasil?
A resposta é que sim. O nitrato de amônia, por ser um componente de interesse militar, é controlado pelo Departamento de Defesa Brasileiro e que é responsável pela regulamentação de importação, comercialização, transporte e armazenagem.
De acordo com a portaria Nº 147 do COLOG (Comando Logístico – Exército Brasileiro) – http://www.dfpc.eb.mil.br/images/Portarian147.pdf – especificamente em relação à temperatura, temos:
Depósitos devem possuir monitoramento de temperatura por 24h em central de controle;
Sistemas de detecção de temperatura baseado em infravermelho e de detecção de incêndio, quando acionados, devem emitir alarme sonoro e visual;
Sistema de detecção de temperatura baseado em infravermelho adequado e confiável ou sistema de detecção de incêndio adequado, os quais quando atuados devem acionar um sistema de alarme sonoro e visual;
No caso do NA grau técnico ser estocado a granel, o armazém deve possuir controle de temperatura para minimizar os riscos de degradação por ciclagem térmica. A temperatura deve ser mantida abaixo de 27°C (5°C abaixo da temperatura de transição cristalina de 32°C).
Note que o método por infravermelho e a importância do monitoramento por temperatura são citados em diversas partes da portaria.
Futuro, Brasil e os Riscos com Nitrato de Amônia
Como grande produtor de alimentos e usuário de fertilizantes, o Brasil é naturalmente, um grande importador de Nitrato de Amônia, uma vez que não possui capacidade de produção local suficiente para atendimento da demanda.
O controle eficiente de fabricação e armazenamento é essencial para que o Brasil não seja enquadrado como mais um país com desastres da magnitude do incêndio do Líbano. O Exército Brasileiro tem desempenhado papel importante na fiscalização.
Melhorias poderiam ser feitas nas regulamentações Brasileiras, a fim de incluir atualizações tecnológicas e retirar sistemas ineficientes para detecção antecipada de incêndio em grandes áreas.
Além dos cuidados evidentes à população que vive nos arredores de fábricas e galpões, há ainda o risco financeiro que uma catástrofe como esta pode gerar aos órgãos do governo, empresas privadas e seguradoras.
Estes desastres podem ser evitados e por consequência, não podem de maneira alguma serem chamadas de meros acidentes.
Podemos discutir o enquadramento destes fatos históricos como negligência, imperícia ou imprudência? E então, qual sua opinião?